Sunday, December 24, 2023

Consuelo de Saint-Exupéry

 Cati Gayá

@cati.gayahttps://www.domestika.org/pt/blog/9025-consuelo-de-saint-exupery-a-musa-que-inspirou-o-pequeno-principe

Consuelo de Saint-Exupéry, a musa que inspirou O Pequeno Príncipe

    Descubra a história real do amor da personagem da rosa e O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry

    A novela O Pequeno Príncipe, publicada em 1943 em inglês e francês, é um dos livros mais vendidos de todos os tempos.

    Sua história, que reflete temas universais como o amor, a perda e a solidão, as elegantes ilustrações, realizadas em aquarela pelo mesmo Saint-Exupéry e todas as adaptações que recebeu - teatro, balé, ópera e inclusive videogame -, fizeram com que O Pequeno Príncipe entrasse para a história como um dos textos mais relevantes da literatura mundial.

    Embora muitos conheçam a obra, e ela se tenha tornado leitura praticamente obrigatória durante a formação de muitas crianças, poucos sabem o que realmente inspirou uma história tão mítica e emblemática como esta: a relação do autor com sua esposa, a salvadorenha Consuelo de Saint-Exupéry.

    Ilustração original de Antoine de Saint-Exupéry
    Ilustração original de Antoine de Saint-Exupéry

    Mais que uma história infantil

    A história é contada por um narrador, um aviador que se encontra perdido no deserto após a queda de seu avião. Ali, conhece o Pequeno Príncipe, um jovem que lhe conta como viajou pelo espaço e visitou diferentes planetas. Enquanto procura maneiras de consertar seu avião antes de ficar sem água, ouve as aventuras do Pequeno Príncipe e seu relacionamento com os personagens que conheceu em suas viagens.

    Apesar de seu estilo e estética de livro infantil, suas observações e os temas abordados vão além da simples moral: temas como a humanidade, a solidão, a amizade, o amor e a perda são tratados de forma honesta e direta através dos personagens. Muitas das reflexões do livro giram em torno dos adultos e da sociedade: a falta de capacidade para perceber "as coisas importantes", a arrogância, o materialismo... Isso, além da estética das ilustrações que acompanham a história, as citações poderosas e o estilo onírico e cativante acabaram por eternizar O Pequeno Príncipe e seus personagens.

    Ilustração original de Antoine de Saint-Exupéry
    Ilustração original de Antoine de Saint-Exupéry

    A rosa, o amor do Pequeno Príncipe

    Um dos personagens de que o Pequeno Príncipe fala é a rosa, que cresce na superfície de um asteróide. Confessa seu amor por ela e a descreve como vaidosa e boba. Explica que ela é pretensiosa e finge ter problemas para ter sua atenção e cuidados. Enquanto estiveram juntos, o Pequeno Príncipe a alimentou, cuidou dela e protegeu-a dos ventos, abrigando-a numa redoma de vidro.

    Apesar do amor que sentia por ela, o Pequeno Príncipe começou a pensar que sua rosa estava se aproveitando dele, e decidiu deixá-la para trás e viajar para outros planetas. Na hora de se despedir, porém, a rosa se desculpa por ter sido capaz de demonstrar que o amava de verdade.

    Diz, ainda, que os dois foram imaturos na relação e, embora deseje o melhor em suas viagens, rejeita a proteção da redoma de vidro. A partir de agora, ela irá se proteger. O Pequeno Príncipe lamenta ter prestado mais atenção às palavras vaidosas de sua Rosa do que às suas ações, que demonstravam a reciprocidade do amor.

    Quadro do filme 'O Pequeno Príncipe', da Netflix (2015)
    Quadro do filme 'O Pequeno Príncipe', da Netflix (2015)

    Em seguida, o Pequeno Príncipe se depara com um campo repleto de roseiras, que o deprimem porque sua presença significa que sua rosa não é tão especial quanto pensava. No entanto, e graças à ajuda de uma raposa, ele percebe que isso não é verdade: após haver "domado" sua rosa, ela é agora a mais especial de todo jardim. Este é o momento que oferece uma das lições mais importantes da história: "o essencial é invisível aos olhos".

    No final da história, o Pequeno Príncipe decide querer voltar para a rosa, preocupado por tê-la deixado sozinha. Para isso, ele se deixa picar por uma serpente que promete ajudá-lo a retornar ao seu planeta. Assim, não chegamos a saber se ele morre ou se conseguiu chegar ao seu destino para reencontrar a rosa.

    Quadro do filme 'O Pequeno Príncipe', da Netflix (2015)
    Quadro do filme 'O Pequeno Príncipe', da Netflix (2015)

    Consuelo de Saint-Exupéry, a mulher por trás da atormentada rosa

    Consuelo Suncín-Sandoval Zeceña nasceu em 1901 em Armenia, El Salvador, em uma família rica. Por conta da asma, mudou-se para estudar em São Francisco, Estados Unidos, e mais tarde na Cidade do México e na França, recebendo uma educação abrangente e internacional.

    Mas, apesar da situação econômica favorável, Consuelo tinha algo que a tornaria uma pária social: seu primeiro casamento com um capitão mexicano terminara em divórcio - algo impensável na época -, que ela escondia dizendo que o marido havia morrido durante a Revolução Mexicana.

    Fotografia de Consuelo em 1942
    Fotografia de Consuelo em 1942

    Mais tarde, viajou para Paris, onde conheceu o jornalista e escritor guatemalteco Enrique Gómez Carrillo, com quem se casou apesar da diferença de idade (ela era 30 anos mais jovem). O crítico literário morreu menos de um ano após o casamento, deixando uma fortuna considerável, com a qual Consuelo se estabeleceu em Buenos Aires.

    Em 1931, aos 30 anos, a escritora conheceu e se casou com Antoine de Saint-Exupéry. Naquela época, Consuelo era uma figura polêmica: divorciada, viúva e com fama de boêmia e problemática, mas dona de um magnetismo inegável.

    Em sua biografia, Consuelo de Saint Exupéry: Une mariée vêtue de noir, a escritora Marie-Helene Carbonel destaca que, além de ser uma mulher muito bela, “também podia conversar [com os homens]”, pois era interessante e inteligente. “Não é por acaso que despertou o interesse de tantos homens inteligentes e importantes”, comenta a autora.

    Casamento conturbado

    O amor entre Consuelo e Antoine foi intenso. Ela se tornou sua musa, a quem ele escrevia verdadeiras declarações de amor em suas cartas. No entanto, os problemas não demoraram a aparecer.

    O Conde Antoine de Saint-Exupéry, aristocrata e escritor amplamente reconhecido, pertencia a círculos sociais exclusivos em que uma mulher como Consuelo não era bem recebida. A nobreza francesa a desprezava, tanto ela quanto o título de condessa que havia adotado após o casamento com Antoine.

    Fotografia de Antoine de Saint-Exupéry com seu avião [Fonte: ABC]
    Fotografia de Antoine de Saint-Exupéry com seu avião [Fonte: ABC]

    Saint-Exupéry, reconhecido mundialmente como um pioneiro da aviação, viajava com frequência, e nestas viagens teve inúmeras aventuras com diferentes mulheres. Consuelo não ficou para trás e, durante os anos de casamento com Saint-Exupéry, também foi infiel inúmeras vezes. Foi uma história de amor tempestuosa, problemática e nunca completamente feliz.


    Memoria de la rosa, a história segundo Consuelo

    Antoine de Saint-Exupéry desapareceu em 1944 durante uma de suas missões de aviação no âmbito da Segunda Guerra Mundial, deixando Consuelo viúva após mais de uma década de casamento.

    Embora as circunstâncias de sua morte permaneçam envoltas em mistério, o mesmo não pode ser dito de seu relacionamento com a esposa. Um ano após seu desaparecimento, Consuelo escreveu Memoria de la rosa, onde fala sobre seu casamento com o escritor.

    Fotografia de Antoine Saint-Exupéry e Consuelo [Fonte: Larepublica.pe]
    Fotografia de Antoine Saint-Exupéry e Consuelo [Fonte: Larepublica.pe]

    O manuscrito sobre o relacionamento com Antoine viria a público apenas em 2000, muito tempo depois de sua morte, em 1979, causando um verdadeiro rebuliço na França.

    A salvadorenha fala de um Antoine egoísta e cruel, de um casamento amargo e conturbado, das inúmeras infidelidades do marido e dos anos de brigas e amargura. O livro virou sensação desde a publicação, sendo traduzido para 16 idiomas.


    O Pequeno Príncipe: uma carta de amor

    Após as confissões de Consuelo em Memoria de la rosa, muitos críticos acreditam que O Pequeno Príncipe é uma alegoria da vida de Antoine, de suas preocupações, reflexões e arrependimentos.

    Os três vulcões do planeta do Pequeno Príncipe são os três vulcões de El Salvador. A rosa, vaidosa mas de bom coração, é Consuelo. Sua fragilidade, a asma crônica. O campo de rosas que distrai o Pequeno Príncipe durante sua visita à terra e o faz duvidar do valor de sua rosa, uma alegoria dos seus casos com outras mulheres.

    Imagem do Pequeno Príncipe com sua rosa, na Le Petit Prince Store em Paris [Fonte: Sortiraparis.com]
    Imagem do Pequeno Príncipe com sua rosa, na Le Petit Prince Store em Paris [Fonte: Sortiraparis.com]

    O Pequeno Príncipe entrou para a história como um livro repleto de interessantes reflexões, lições poéticas e imagens icônicas. Mas, para a biógrafa Marie-Helene Carbonel, O Pequeno Príncipe é na verdade uma carta de amor, e um pedido de desculpas, de Antoine de Saint-Exupéry para Consuelo. O que não sabemos é se ela chegou a aceitar.

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    Versão em português de @ntams.

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